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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Portos esbarram em mar de empecilhos

Correio Braziliense - 26/08/2012

Apesar dos prenunciados incentivos do governo federal nos próximos meses, setor enfrenta gargalos que o mantêm caro e ineficiente. Com quase 20 anos, atual modelo de gestão deixa o Brasil em 130º em ranking de 142 países

O pacote de concessões para os portos, a ser anunciado em setembro pela presidente Dilma Rousseff, só conseguirá desfazer os nós históricos do setor se também realizar profundas mudanças em sua gestão. Para especialistas ouvidos pelo Correio, a falta de coordenação entre vários órgãos públicos nos terminais, as persistentes castas de trabalhadores e o atraso tecnológico nos seus procedimentos administrativos pesam sobre o desempenho caro e ineficiente do sistema portuário tanto quanto os projetos de ampliação e de modernização.

"A renovação das concessões e a abertura de outras garantem recursos para superar entraves conhecidos dos portos, como os limites à navegação, à atracação e ao armazenamento. Mais importante, contudo, seria mexer na legislação para superar impasses trabalhistas e fortalecer a fiscalização", ressalta o consultor Fernando Arbache. Segundo ele, aperfeiçoar o marco regulatório também garantiria o cumprimento das metas pelas concessionárias. "Não podemos mais permitir que o estabelecido nos editais seja ignorado. Tem de haver mais rigor", acrescenta.

O atual modelo portuário, que completa 20 anos em 2013, coleciona importantes avanços, mas há cerca de uma década mostra esgotamento (veja tabela ao lado). Os sinais disso ficaram explícitos no salto do movimento de cargas, de 435 milhões de toneladas em 1999 para 890 milhões no ano passado. Os analistas apontam as falhas de regulação e a morosidade nos investimentos como responsáveis pela qualidade portuária do Brasil figurar entre as piores do mundo. Conforme levantamento do Banco Mundial (Bird), o país está no 130º lugar em uma lista de 142.

"Para piorar, não há comando claro nos portos, e a comunicação de dezenas de atores oficiais presentes não funciona. O resultado disso está em licenças ambientais negadas, obras abandonadas e filas de navio", ilustra Luiz Afonso dos Santos Senna, professor da UFRGS. Sua esperança é que a medida provisória (MP) em elaboração para sustentar o pacote de concessões portuárias dê segurança jurídica a investidores e defina novos papéis para cada um dos agentes públicos e privados envolvidos. "É fundamental que a operação privada diminua de fato o papel do governo como operador", frisa.

Senna lamenta que estatais responsáveis pela administração dos portos, as tais companhias docas, não foram capazes de acompanhar a evolução mundial e de tirar entulhos seculares, como a influência sindical em contratações. O exemplo gritante está nos práticos ou manobristas de navios. A classe de 350 profissionais era formada por regra hereditária e migrou, recentemente, para o ingresso por concurso público. Em terminais modernos, a atividade deu lugar a sonares, satélites e mapas atualizados dinamicamente.

Custos adicionais

Carlos Alberto Cinquetti, economista especializado em comércio exterior, acredita que a lentidão e as restrições tecnológicas dos portos geram custos adicionais que impedem lucros maiores dos exportadores de matérias-primas e a incorporação mais ágil pela indústria de componentes mais baratos e sofisticados oferecidos pelo mundo. "A adequação da infraestrutura à realidade global abriria novo horizonte para a produção nacional e reduziria desequilíbrios da geografia econômica do país", detalha ele. O professor da Unesp reconhece, contudo, que, paradoxalmente, uma maior eficiência dos portos torna ainda mais difícil a meta do governo de elevar o índice de conteúdo local das manufaturas.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê para este ano R$ 3,1 bilhões em investimentos nos portos, mas, até junho, só 14% desse montante — R$ 434 milhões — tinham sido efetivados. Reflexo da má gestão da chamada autoridade portuária, que resiste a cobranças do Planalto por melhor performance dos projetos, o problema está fortalecendo o modelo de parcerias público-privadas (PPP) para driblar atrasos. Prova disso é o recente pacote federal para a logística terrestre como forma de atrair recursos e, sobretudo, de acelerar investimentos.
"O modelo das PPPs ainda é experiência recente no Brasil e concentrado nas administrações estaduais e municipais, mas tem tudo para servir ao propósito da União de fazer o investimento acontecer, minimizando riscos e criando condições atraentes ao capital privado", comenta Fernando Marcondes, advogado especializado em infraestrutura.

Durante o lançamento do plano federal para rodovias e ferrovias, o empresário Eike Batista classificou os portos brasileiros como "jurássicos" e apontou como exemplar o seu Superporto do Açu, projeto tocado em São João da Barra (RJ). "Clientes e parceiros me dizem que têm dois problemas em investir no país: como entrar e como sair dele. Não é possível esperar até três meses para embarcar ou desembarcar mercadorias", protesta.

Trabalhador defende controle estatal

Preocupados com o alcance das mudanças que o governo prepara para os portos visando atrair investimentos, os trabalhadores do setor estão se mobilizando e não descartam cruzar os braços caso empresas privadas assumam a gestão dos terminais. "A atividade portuária é tipicamente do Estado e assim deve continuar para o bem do Brasil. Nesse sentido, defendemos o controle público com viés técnico", afirma Eduardo Guterra, presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), ao Correio. Amanhã, a entidade vai avaliar em Brasília, com representantes de todo o país, a possibilidade de fazer greves para impedir qualquer flexibilização do modelo.

Ele admite que burocracia e administração incompetente fazem parte do cotidiano da operação dos terminais, mas ressalta que essas mazelas decorrem do loteamento entre partidos da base aliada do governo no Congresso e comandos das estatais gestoras dos portos nos estados. "A autoridade portuária é usada em negociações políticas, nomeando executivos sem qualquer afinidade com o setor", revela. Essa realidade, acrescenta ele, também favorece a falta de coordenação entre os diversos agentes públicos envolvidos.

Falácia

Guterra ressalta que sua categoria não é contrária à introdução de tecnologias no ambiente portuário, visando maior automação e eficiência. Uma prova disso é a realidade atual, bem diferente de duas décadas atrás, com adoção de veículos e sistemas informatizados. "Saímos de 60 mil trabalhadores nos portos em 1993 para os atuais 38 mil, sendo que boa parte está lotada em serviços administrativos", conta. Mas exige que os trabalhadores sejam ouvidos nas discussões de novo modelo de gestão, "até para saber quem está ganhando com o aumento de produtividade".

O líder sindical considerou uma falácia a crítica segundo a qual a contratação pelos Órgãos Gestores de Mão de Obra (Ogmos) deixa milhares de trabalhadores na maior parte do tempo parados, de sobreaviso. "O modelo não deixa ninguém à toa. Só ganha quem trabalha, e é a iniciativa privada que paga pelo trabalho prestado", rebate. Sobre os passivos trabalhistas bilionários formados em torno dos ogmos, sobretudo no caso de Santos (SP), maior porto do país, ele culpa empresários por eventual descontrole e "uma indústria de advogados" que atua à margem dos sindicatos. Um dos maiores temores da FNP, confessa ele, é a possibilidade de terceirizar pessoal em atividades restritas hoje aos cadastrados nos ogmos.

Autor: Sílvio Ribas